Respondendo Suas Perguntas sobre Mutismo seletivo
Respondendo Suas Perguntas sobre Mutismo seletivo

No Mutismo Seletivo não Existe Cura? Será que o Teatro não Ajudaria a Criança?

 

O M.S. não é uma condição que tenha que ser crônica, irreversível ou em constante deterioração. Muito pelo contrário, o M.S., independentemente da forma como se origina, evolui e apresenta distintas etapas ou graus de severidade, dependendo da predisposição genética, do ambiente familiar, da qualidade de apego e intimidade com pais e familiares, da compreensão e apoio de professoras, pessoal e companheiros da escola, do apoio psicológico profissional, entre outros fatores.

Se o apoio familiar adequado e as intervenções profissionais com um enfoque integral se realizam ao começo, antes que a criança aprenda ou se habitue às limitações que o M.S. traz, o prognóstico (probabilidades de reestabelecimento e significativa ou completa normalização) é muito positiva e acalentadora.
Por isso não desistimos de enfatizar a importância chave da detecção, diagnóstico e tratamento, o quanto antes, do M.S. Sabemos que aceitar a presença do M.S. em um filho não é fácil para nenhum pai, da mesma forma que não o é o próprio processo de rehabilitação, pois os obstáculos são muitos, começando pelo entendimento e compreensão de familiares, amizades e vizinhos, até a necessária por parte de educadores, profissionais da saúde, inclusive, e pelas pessoas, quem tristemente costumam estar profundamente influenciadas por esteriotipos, preconceitos e medos pessoais que não ajudam em absoluto à criança ou adulto com M.S. e sua rehabilitação.

Toda atividade lúdica, ou artística potencialmente, poderia significativamente ajudar à criança com M.S., desde que esta se sinta cômoda com ela, encontrando afinidade e compatibilidade com seus gostos, temperamento e aptidão. Por exemplo, que passaria se a uma criança com M.S. que não vê atrativo algum pelos instrumentos musicais, embora se divirta e disfrute escutando música, seja obrigado a assistir a uma aula de música ou violino? Muito provavelmente a reação seria não somente inútil, mas também contraproducente, inclusive para uma criança sem as dificuldades que enfrenta uma com M.S. Esta iria piorar sua condição como a abertura da criança em relação a outras atividades artísticas que poderia gostar e se beneficiar. Pior ainda, a confiança da criança com relação ao tino e afeto dos pais se veria minada por sentir-se pressionada a algo assim.

Pais, professores e psicólogos, sabedoria é ter uma visão realista e não preconceituosa das coisas, sensível à individualidade e necessidades-expectativas de cada pessoa, respeitando-as como também a sua ideosincrasia, cultura e história pessoal. Impôr ou forçar algo de forma artificial, embora bem intensionada, nunca leva a algo positivo. Ao conhecer e compreender a individualidade e realidade específica de uma criança, devemos passar a agir consistentemente com isso para assim, respeitá-la, amá-la, apoiá-la e promover seu desenvolvimento e crescimento plenos, tanto quanto vencer o M.S. Isto é sabedoria, uma compreensão atinada e profunda de algo levada a ações consequentes na realidade da vida diária.

O teatro, como atividade artística, pode ser muito bom para muitas crianças, desde que se sintam atraídos e afins a este, tal como abacamos de explicar, mas nunca imposto ou forçado, caso não exista tal atração por parte da própria criança. No caso do M.S. a situação é muito mais complexa. Por quê? Porque a criança com M.S. sofre de ansiedade-fobia social, em distintos graus e com peculiaridades próprias, claro está, mas este é um problema fundamental da condição de M.S., e sendo o teatro uma atividade artística coletiva, principalmente, onde a linguagem verbal e não verbal são a chave, a criança com M.S. tipicamente não veria atrativo nenhum em se expôr de tal forma, uma vez que sua condição a compele a evitar exatamente isso.

Recordemos que o que detona a ansiedade paralizante e o mutismo na pessoa com M.S. é a crença ou a tomada de consciência de que está sendo observada, avaliada, julgada por terceiros, que a atenção social de uma ou mais pessoas é posta sobre elas. Isto, claro está, varia de pessoa a pessoa, segundo como o M.S. afete a cada um, mas seria negligente e inclusive abusivo, esquecer deste fator.
Finalmente, é bom lembrar que embora gere ou aumente a ansiedade em uma criança, como no exemplo anterior – uma aula de teatro -, não significa que esta mesma atividade seja sempre desagradável à criança, pois não é assim. Muitas vezes à criança lhe encantaria participar ativamente de tais atividades, mas o M.S. lhe “rouba” a possibilidade de agir assim, pelo fato de que a frustração e a tristeza consequente não são experiências estranhas à criança com M.S., mas sim muito comuns e frequentes, muito mais que as experimentadas por qualquer outra criança sem tal condição.

Busquemos identificar e aprender sobre as aptidões e gostos de nossos filhos, estudantes e clientes com M.S. para assim motivá-los e ajudá-los em seu pleno desenvolvimento, relaxamento, autoconfiança e dispersão saudáveis. Elas estão ávidas por tantas coisas que sua ansiedade lhes rouba, literalmente, das mãos, que precisam de nós para aprender a lidar com tais dificuldades, superá-las e crescer mais fortes e plenos.

 

“Falarei na Escola Quando Vivamos em um País Onde se Fale Tal Idioma”

 

Consulta: Existe relação entre o M.S. e o fato de que a família da criança viva em um país diferente ao de sua origem, sendo a criança obrigada a falar mais de um idioma?

Seguramente. Se bem não tenha sido identificada uma relação direta de causa-efeito entre ambas  situações, como para afirmar que toda criança que muda com sua família a um país diferente ao de seu nascimento apresentará M.S., sim está demonstrado que existe uma correlação entre ambos, já que muitas crianças que apresentam M.S. passaram por estas mudanças geográficas, culturais e idiomáticas, pelo que se nomina a mudança do país de origem como um fator comum muitas vezes presente na origem do M.S.

Há casos onde isso se faz muito mais óbvio pois a criança literalmente começa a mostrar o M.S. uma vez concretizada a mudança, o que não significa que para os pais lhes seja evidente a relação íntima entre tal mudança e o M.S., mas para um observador externo com conhecimento do M.S. será fácil identificar tal associação.

Em outros casos, quando a criança desde uma idade muito jovem mostra o M.S., é mais difícil estabelecer tal conexão, uma vez que a apresentação de sintomas é anterior às mudanças geográficas-culturais.

Tomando como exemplo a nossa filha. Ela mostrou sintomas de M.S. desde tenra infância, previamente a nossas mudanças intercontinentais. Cabe ressaltar que ambos, tanto minha esposa como eu, éramos imigrantes temporais nos Estados Unidos, país onde nasceu e permaneceu Carmencita até completar seus 4 anos de idade. Pode-se estabelecer uma relação entre o passado dos pais e seu próprio processo de aculturamento e adaptação a uma nova sociedade-sistema e o M.S. dos filhos, considerando que o que sabemos do M.S. em suas raízes genéticas, é que tal passado-presente dos pais afeta o sistema nervoso, temperamento e assim será a personalidade da criança com seu crescimento e, claro está, aquilo que geneticamente predisponha ou defina a existência dessa nova vida.

É interessante observar como há crianças que apresentam o M.S. imediatamente após uma mudança geográfica temporal significativa, podendo, após um breve período de tempo voltar à “normalidade”. Cada caso é único e é preciso não simplificar as causas nem a forma como evolui o M.S em cada caso em particular, mas sempre é útil poder entender e contemplar os diferentes fatores que são parte deste processo.

Sabemos que as crianças têm uma facilidade enorme para aprender múltiplos idiomas sendo tão pequeninos, e nós que temos filhos poliglotas bem o sabemos. Às pessoas que desconhecem o M.S. pode resultar difícil acreditar e entender que uma criança com M.S. na realidade saiba, entenda e possa falar mais de um idioma (Carmencita entende muito bem três idiomas e fala dois deles).

Podemos especular que a ansiedade que foi identificada como o centro principal do M.S. se vê reforçada e detonada pelos obstáculos próprios do aprendizado, entedimento e utilização de um novo idioma, só que no caso de uma criança com M.S. tais obstáculos se tornam possivelmente uma fonte a mais e maior de ansiedade, o que explicaria sua relação maior ou menor com a aparição ou evolução do M.S.

Alguma vez sua filha com M.S. lhe disse: “falarei na escola quando vivamos em um país onde se fale tal idioma?”. Então definitivamente, seja mais ou menos espontânea e consciente a associação que a criança faça entre as demandas do uso de um idioma quando é poliglota e a ansiedade experimentada pelas expectativas de seu próprio desenvolvimento social e comunicacional, não há dúvida que esta situação de demandas e adaptações culturais têm um grande impacto em todas as pessoas, inclusive quando tão pequenas, e que naqueles que apresentam um nível maior de ansiedade, tais experiências, junto a outros fatores, poderão gerar ou propiciar diferentes problemas ou mal estar, incluindo o M.S.

Pre-ocupar-se vs. Ocupar-se

 

Estimada Karlys, o que nos conta com relação à visita à psicóloga nos alegra muito, como esperávamos tudo saiu bem, incluindo a opinião de não necessitar do exame neurológico.

Creches e colégios pecam muitas vezes de negligência e tristemente de abuso também, quando se trata de um estudante que apresenta M.S. A ignorância, falta de competência profissional, ética, pedagõgica e humana estão sempre por detrás de tais faltas. O que nos resta, como pais, é sim, tomar uma atitude ativa, e todas as iniciativas que sejam necessárias, incluindo contemplar mudanças de escolas quando apesar de nossos esforços, as escolas ou instituições não fazem as mudanças e ajustes mínimos necessários.

Inscrever nossos filhos em aulas de artes, esportes ou qualquer outro hobby ou atividade é sempre uma excelente idéia. A maioria das crianças com M.S. são muito ávidas e apaixonadas por uma grande variedade de atividades, apesar de seu M.S.; e é justamente através de tais atividades que a socialização se desenvolve e se reforça, propiciando o melhor contexto para o manejo, e assim redução, da ansiedade, melhora da autoestima e confiança de nossos filhos.

Somente para fazer a distinção entre o que é preocupar-se e ocupar-se. Por um lado, “pre-ocupar-se” significa isso mesmo, tratar de ocupar-se antecipadamente de algo, o qual tecnicamente é impossível, pois ninguém pode comer hoje o que lhe corresponde para o dia de amanhã ou daqui a uma semana, não é verdade? Por outro lado, “ocupar-se” significa estar presente no aqui e agora, consciente de que este “presente” é o único que está realmente em nossas mãos para moldar, que passado e futuro ficam limitados a vivências mentais e não a realidades imediatas. O passado já passou e só fica “vivo” em nossa mente, enquanto o que chamamos “futuro” é o presente por-vir. Assim, se não nos prendemos ao presente já passado, e concentramos todas nossas energia neste “presente eterno” que é o mais real da vida e o único sob nosso controle, estaremos fazendo o melhor e da melhor forma possível. É baseado neste enforque que “pre-vemos” e “pre-vimos” o que pudesse passar, o qual é muito diferente ao “preocupar-se”, que comumente implica angustiar-se, sofrer com ansiedade e inutilmente por algo sem fazer o atinado e viável para criar e promover o melhor, o qual não é possível conseguir com uma mente “presa” no “pre-ocupar-se”.

O que já passaram nossos filhos em casa, escola, conosco ou com os demais que possa haver sido construtivo ou saudável, passou e seu impacto fica, se dentro deles não é algo absoluto, sim sabemos como criar e promover novas vivências, emoções, pensamentos e esperanças positivas neles com o que fazemos, pensamos, dizemos e como lidamos com os obstáculos no presente.

Desde a infância começamos a “identificar-nos” com o que seja que vivamos e se nos oferece pelo mundo, seja de saudável ou destrutivo, e ninguém mais determinante neste processo que os pais, família ou os que nos criam, e depois disso, os professores, aqueles que passam grande parte do tempo conosco.

Pouco a pouco vai-se dando o que se conhece como “internalização”, processo psicológico pelo qual a criança, a pessoa jovem vai-se adaptando e fazendo suas próprias crenças, atitudes, padrões de conduta e até estilo de vida daquelas pessoas significativas em sua vida, de como pensam, sentem com relação a ela e do trato que lhe dão. É assim que, incluindo a experiência de abuso que tanto rejeitamos e nos afetam, pode ser internalizada acabando com a nossa própria exposição a semelhantes cenários e pessoas, pois acabamos por acreditar que somos em efeito, merecedores do abuso.

Acreditamos ser importante aprender, tomar consciência destas coisas, com o fim de ser sempre mais responsáveis, proativos, saudáveis e plenos em nós mesmos e com nossos filhos e alunos. Pouco a pouco iremos compartilhando conhecimentos básicos de psicologia e pedagoria para ilustrar-nos a respeito e assim ser mais consciente e, por conseguinte, asertivos ao cuidar, criar e amar a nossos filhos, com ou sem M.S., com ou sem problemas sérios de ansiedade.

Enfoquemo-nos nisso então e sigamos este caminho único que como há pouco compartilhou Karlys, pode ser um no qual o que chamamos Deus, Providência ou Vida, de algum modo se apresentou em nossas existências não somente para dar o melhor, e sim muitas vezes, para aprender, crescer e transformar-nos em formas que nunca conseguiríamos a não ser pelas lições e vivências que o M.S. em um filho nos traz.